Número de empresas beneficiadas pela legislação cresceu 60% de 2018 para 2021, mas especialistas defendem melhorias para País converter pesquisas em produtos e empregos
Desde a criação, em 2005, a Lei do Bem deu isenção fiscal a empresas no valor de R$ 33 bilhões e trouxe mais de R$ 162 bilhões investidos por empresas no País para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Ou seja, a cada R$ 1 que o governo deixou de arrecadar, R$ 5 foram investidos na economia brasileira, de acordo com estudo feito pela consultoria KPMG.
A Lei do Bem, ou Lei 11.196/05, foi criada para fomentar os investimentos em inovação no País. A legislação estabelece concessão de incentivos fiscais para empresas que mantenham iniciativas de pesquisa e desenvolvimento em território nacional. Desde a criação, o grupo de empresas beneficiadas pelas reduções tributárias da lei vem crescendo.
De 2018 para 2021, o número saltou mais de 60%, indo de 1.848 para 3.012. Entre as companhias que se beneficiaram ao longo da história para investir em inovação, estão gigantes do mercado, como IBM, Microsoft, Telefônica e Claro. “A cada R$ 1 milhão investido em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, a empresa reduz o imposto de renda e a contribuição social em R$ 200 mil. É como se gastasse apenas R$ 800 mil”, afirma Wiliam Calegari, sócio da área de incentivos fiscais na KPMG do Brasil.
Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que, apesar dos efeitos positivos, a Lei do Bem ainda precisa avançar para que o País tenha aumento da participação da indústria no PIB. O número de companhias beneficiadas pela Lei do Bem é considerado pequeno perante as mais de 151 mil empresas tributadas pelo Lucro Real, segundo dados da Receita Federal. Empresas no regime do Simples Nacional, que têm teto de faturamento anual de R$ 4,8 milhões, não estão contempladas pela legislação atual.
O principal ponto seria a revisão em relação à necessidade de lucro a cada ano para obter a isenção fiscal. Hoje, se uma empresa teve lucro durante dez anos e ficou apenas um com prejuízo para depois voltar a lucrar, a isenção fiscal no ano do prejuízo não é concedida. Ou seja, não se acumulam créditos para anos mais difíceis.
Para André Félix Ricotta de Oliveira, sócio do escritório Félix Ricotta advocacia, coordenador do curso Tributação sobre o Consumo do IBET e Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP – Seção Pinheiros, o Brasil ainda precisa avançar na segurança jurídica e na liberdade econômica para se posicionar melhor no contexto mundial para atrair empresas que tenham projetos de pesquisa e desenvolvimento no território nacional.
“Precisamos de mais incentivos fiscais. Só a Lei do Bem não ajudou muito o desenvolvimento tecnológico do Brasil. A Lei do Bem é de 2005, tem mais de 15 anos. Precisamos de um pouco mais de desenvolvimento e incentivo, diminuindo a tributação do setor produtivo”, diz. Félix Ricotta reconhece que um dos entraves que o País enfrenta para atrair centros de pesquisas das grandes empresas globais é a falta de mão de obra qualificada e créditos fiscais mais atrativos em outros países.
Gilson Gouvêa, líder de América do Sul da consultoria de transformação digital AgileThought, lembra que há exemplos na América Latina de países que conseguiram criar negócios de grande porte com o apoio de isenções fiscais. “A Argentina tem uma lei que permite o que se chama de economia de conhecimento. As empresas que fazem pesquisa e desenvolvimento tem isenção de um porcentual no Imposto de Renda, mas também um benefício sobre encargos sociais, sobre os profissionais que são alocados. Isso ajuda a Argentina a se posicionar bem em e-commerce e turismo, por exemplo”, diz. Mercado Livre e Decolar são duas empresas de origem argentina.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) reconhece a importância da Lei do Bem para o avanço da economia brasileira, mas propõe mudanças com finalidade de clareza ou para modernizar a legislação, como o aproveitamento, em anos posteriores, de investimentos realizados em períodos de prejuízo. Na Coreia do Sul, por exemplo, as empresas podem acumular créditos tributários para usar em até dez anos, uma forma de manter uma “poupança” para tempos mais difíceis nos negócios.
Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI, diz que o País ainda tem um caminho a trilhar para ser mais inovador, transformando as pesquisas em produtos que cheguem ao mercado.
No contexto global, o Brasil não está bem posicionado no quesito inovação. No Global Innovation Index, principal índice de inovação, o País está em 54º entre 132 países. De 2012 para 2022, o País perdeu quatro posições no ranking de inovação, feito pela organização Wipo.
De acordo com Gianna, o Brasil investe por volta de 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, sendo que o setor privado investe um pouco mais do que o governo. Para a CNI, a Lei do Bem é estratégica para fomentar a pesquisa e desenvolvimento e, por isso, precisa de modernização. “Os países mais inovadores conseguem exportar mais, ocupam posições mais estratégicas nas cadeias globais de valor. Isso se reverte na geração de empregos bem remunerados e no desenvolvimento da economia. Inovação é um investimento de risco e de longo prazo. O incentivo fiscal é amplamente praticado no mundo e só aumenta. O que temos aqui não são as empresas querendo benesses do governo. É preciso criar uma cultura de inovação e permitir que empresas de todos os portes possam inovar”, afirma.
Fonte: Estadão